segunda-feira, março 05, 2007

Como se fosse amanhã*

Brasília, 05/02/2007


Rafael Ayan
Pedagogia – UnB
(61) 9948-9494
ayanunb@gmail.com
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www.vibeflog.com/ayanrafael

O sonho de muitos brasileiros é cursar uma universidade, de preferência de qualidade e, melhor ainda, sem pagar por isso. Tratando-se da Universidade de Brasília, todo semestre, cerca de 2000 pessoas podem realizar esse sonho. São em sua maioria jovens, com sede de conhecimento e os hormônios mais aguçados do que nunca, gerando uma hiperatividade comum para a idade. A busca pelo novo apenas começou e a novidade é mais que bem-vinda como também recomendada. Os vizinhos passam a cumprimentar, ou de outra forma. Você se olha no espelho e diz: eu passei na UnB, que massa véi! Entretanto, independentemente de qualquer geração, 3 eixos estão ligados diretamente aos calouros: trote, perspectiva profissional e concepção de universidade pública.



A história do trote não é das mais bonitas. Atravessando séculos, vem de uma época onde os filhos dos nobres usavam os filhos da emergente burguesia para marcar território, numa espécie de ritual. Sim, costumavam marcar, seja pelo corte de cabelo ou pela humilhação pública, aqueles que não deveriam entrar na universidade, por não pertencerem à classe dominante, à classe privilegiada – a luta do está incluso com o não pertence, matematicamente falando. Filhos contra filhos, a universidade, desde aquela época, já era sinônimo de status. Hoje em dia a prática do trote é bastante discutida no meio acadêmico, volta e meia ganhando os noticiários quando há algum abuso, como atentado ao pudor ou então a morte. Felizmente o movimento estudantil organizado, com todas as suas divergências, torce e luta por algo em comum: o trote solidário. A mudança no rumo do trote vem felicitar principalmente os mais tímidos, que não sabem se defender dos carrascos, ou melhor, dos veteranos que aplicam o trote tradicional. O trote solidário é uma forma de integrar o calouro e não de excluí-lo, de pressioná-lo, sacanear mesmo.

O mercado de trabalho, ou campo de atuação, como preferem os humanistas, é outro ponto que não sai da cabeça dos calouros. Muitos deles sonharam em fazer outro curso mas devido à pressão dos pais, da mídia, do alterego, aquele que é qualquer coisa menos um candidato ao curso que desejara migra para tirar o peso das costas. Quantos calouros não realizaram testes de orientação vocacional profissional nos cursinhos pré-vestibulares? Muitos. Quantos deles sabem que os referidos testes são copiados, em grande parte, de um contexto de 1920 nos Estados Unidos para direcionar os filhos da elite para um futuro financeiro próspero? Poucos. Basta olhar se no teste de algum amigo, ou mesmo na tabela de respostas do teste (existe isso também), há profissões como pescador, artesão ou pintor. Fora isso, discutindo o futuro profissional, há os infinitos guias de trabalho, os intercâmbios, as indicações profissionais dos jornais, os estágios supervisionados da própria universidade, o conhecido QI (Quem indica) do primo da vizinha do tio e, claro, a internet, esse meio tão longe e tão perto. O quê fazer com um universitário parece ser a pergunta mais difícil de ser respondida.

O último ponto é certamente o que gera mais debate. Afinal, que idéia de universidade tem os calouros? Quem paga a conta para quem estuda gratuitamente? Qual o papel da universidade (Reitoria, movimentos sociais como o estudantil, sala de aula) na formação política dos calouros? Segundo dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), vinculado ao MEC (Ministério da Educação), em 2005 o Brasil contava com 4.453.156 estudantes no Ensino Superior. Desses, o número de matriculados no ensino público não chegava a 10%. A maioria esmagadora dos calouros nunca vai fazer parte do movimento estudantil. Acham que não vale a pena, que há outras prioridades, que melhor mesmo é aproveitar as festas e beber uma quantidade impossível de cerveja. Enquanto isso, nossos patrocinadores, como o seu Zé, carroceiro de Ceilândia, a Jovelina, cabeleireira de Samambaia, Dona Maria, costureira de Vicente Pires e milhões de brasileiros que pagam impostos e sustentam a universidade, esperam o retorno. O palco é pequeno para tanta gente e o show mais uma vez não é aberto ao público. Triste saber que tantos calouros que passaram pela universidade não fizeram nada para mudar o quadro. Porém, como a esperança é a última que morre, acredito que nesse semestre vai ser diferente. Eu sempre acreditarei nisso!

Assim começa mais um semestre na Universidade de Brasília. O sonho acabou, ao menos por enquanto, para alguns, tornando-se realidade para outros. O ingresso na universidade é uma conquista, importante até, mas não é o fim do caminho. Há muito o que se fazer na e pela universidade, para todos os segmentos da sociedade. Preparem-se para se apaixonar, chorar, rir, virar noites estudando e tirar MI, não estudar nada e tirar SS, e sentir saudades do playboy e do bicho grilo que pagavam a mesma aula com você. Aliás, se não fossem assim, não seria universidade. A aflição pelo trote é grande. A ansiedade pelo estágio idem. A busca de algo maior que a sala de aula, como o movimento estudantil ou a extensão, nem tanto. Começando o semestre, como se fosse amanhã, escrevo como se fosse ontem. Já disse Elis Regina: “ainda somos os mesmos, e vivemos, como nossos pais”. Calouros, sejam bem-vindos à Universidade de Brasília.



*Este texto demonstra uma atenção de um indivíduo e não um consenso do coletivo. Veja mais das propostas do Instinto Coletivo no próprio blog.

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