quinta-feira, julho 30, 2009


Um novo ENEM com a velha exclusão


Brasília, 30 de julho de 2009.


O que é o ENEM?

O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), criado em 1998 no Governo Fernando Henrique Cardoso, é uma prova facultativa que visa aferir o nível de raciocínio de estudantes concluintes ou que já tenham concluído o ensino médio. A adesão ao ENEN aumentou com o início da isenção da taxa de inscrição para estudantes de escolas públicas. Entretanto, o crescimento exponencial do exame veio a partir de 2004, quando o MEC vinculou a concessão de bolsas em IES (Instituições de Ensino Superior) privadas ao resultado individual do ENEM. Essas bolsas, integrais ou parciais, eram recebidas através do ProUni (Programa Universidade para Todos).

O responsável pela elaboração do ENEM é o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Segundo este órgão, as questões da prova seguem a Lei 9.394/96, ou LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), bem como os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) para o ensino médio. Ainda de acordo com o INEP, toda a formulação do ENEM foi amplamente debatida com a comunidade acadêmica. Portanto, o exame foi criado como forma de avaliação e com o passar dos anos tornou-se também um meio de seleção para IES. O MEC chega a afirmar que o resultado na prova “pode servir como complemento do currículo para seleção de emprego”.
Novo ENEM: A proposta do MEC

Em 2009 o ENEM ganha uma nova metodologia. O Ministério da Educação justifica a reformulação do ENEM por 2 pontos: uma reestruturação do currículo do Ensino Médio e a possibilidade de mobilidade acadêmica. Sobre o primeiro ponto, a alegação do MEC é que o atual ensino médio é bastante conteudista, quase não permitindo um raciocínio mais reflexivo dos estudantes. Sobre a centralização dos processos seletivos, o ministério acredita ser uma forma de democratização do aceso.

Contando com 180 questões (antes eram 63) de múltipla escolha, o novo ENEM abordará 4 grandes áreas, a saber: linguagens e códigos (incluindo redação), ciências humanas, ciências da natureza e matemática. Cada área terá um peso diferente, assim como a redação. O ministério garante que a tecnologia correspondente a cada área está contemplada na proposta, além do mesmo continuar a ser voluntário. A avaliação será realizada tendo como metodologia a Teoria de Resposta ao Item (TRI) e o conteúdo da prova vai ser elaborado pelo Comitê de Governança. A inscrição será feita pela internet e a prova já tem data para ocorrer: 3 e 4 de outubro de 2009.
Deste modo, a partir de 2009 haverá duas formas de adesão ao novo ENEM. A primeira é o SSU (Sistema de Seleção Unificado), onde o referido exame substituiria o vestibular da instituição. O estudante que optar por uma universidade que aderiu à esse modelo poderá escolher 5 cursos distintos em diferentes regiões do país. A segunda é um modelo híbrido (complementar) em que os estudantes fazem o ENEM e as IES podem ter uma segunda fase própria. As universidades podem então adotar uma parte da nota do exame para compor a nota final de seu próprio processo seletivo.

Para as IES que optarem pelo SSU, há 4 formas de adesão: fase única, primeira fase do processo seletivo, para preenchimento de vagas remanescentes do vestibular e combinado com o vestibular da IES (aproveitamento da nota do novo ENEM na seleção). Outro ponto importante é que a escolha do curso se dará somente após o recebimento da nota.


Os problemas do novo ENEM

O Novo ENEM irá criar um ranking dos estudantes mais preparados, contribuindo para reduzir as chances de acesso àqueles que não tiveram uma educação de boa qualidade. Havendo a mobilidade esperada, é bastante provável que essa migração se dê do sul/sudeste, onde existem escolas melhores, para as universidades de outras regiões. Esses estudantes, depois de formados, retornarão às suas cidades de origem, agravando a carência de profissionais qualificados em áreas mais necessitadas. Como as disparidades de ensino regionais na educação básica não foram corrigidas, o mecanismo já existente de exclusão via vestibular será ampliado.
O modelo de inscrição no curso, que será feito com base na nota do ENEM atualizada diariamente, segundo o próprio MEC, irá criar uma espécie de bolsa de valores dos cursos: quem tem as melhores notas escolhe o curso e a universidade e por mais que não consiga ser aprovado vai caindo de posição de acordo com sua opção de curso. O resultado disso vão ser turmas que serão verdadeiros bancos de reservas, principalmente de cursos com nota de corte mais baixa, que começarão a ser freqüentados, em maior escala, por quem não conseguiu passar para os cursos de maior nota de corte e concorrência – a evasão continua a ser um problema recorrente. Outra conseqüência é que aumentará a escolha do curso por meio da nota e não de acordo com as habilidades pessoais ou desejo de seguir determinada profissão.
No Novo ENEM, assim como no IDEB e no ENADE, há uma culpabilização dos estudantes pelo fracasso do sistema educacional – a inversão de foco proposital realizada pelo governo. A avaliação do sistema de ensino será medida pelo desempenho do aluno na prova, ignorando as demais condições e variáveis que influenciam. A prova também não valoriza as regionalidades existentes no país, o que é uma política do MEC para todas suas avaliações. Essa política é compreensível até certo ponto por se tratar de uma prova que visa observar a educação em nível nacional, mas poderia ter uma parte geral e outra regional, ainda que implicasse uma modificação no caráter do SSU.
O MEC também queria vincular a participação dos egressos do Ensino Médio ao Novo ENEM para aquisição do diploma, ignorando a freqüência e aprovação nas disciplinas. Felizmente, voltou atrás e reconheceu que se é o próprio MEC quem avalia a qualidade da educação, tanto pública quanto privada, é contraditório utilizar a nota do Novo ENEM como certificado de aptidão do estudante.
A partir do Novo ENEM, a indústria de cursinhos para vestibular vai aumentar exponencialmente, o que já pode ser observado na mídia. Essa lucrativa indústria, que especula sobre a disputa, apenas mudará a lógica: os cursinhos destinados à vestibulares específicos tenderão à fundir-se e criar redes de cursinhos, uma vez que o vestibular Será o mesmo em todo o país – além de não acabar com o vestibular, acirra ainda mais a disputa por poucas vagas. Observando o ENEM, a nota dos estudantes de escolas públicas se aproxima das notas dos estudantes de escolas particulares. Isso acontece porque o ENEM não é critério para se entrar na universidade pública, o que faz com que os estudantes de escolas particulares não se preparem para ele. Com a adesão das universidades públicas ao Novo ENEM, essa situação irá mudar e os estudantes de escolas particulares vão focar seu estudo nesse tipo de prova. Os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio irão ser mudados para atender ao Novo ENEM e os estudantes mais preparados tendem a ganhar com essa padronização.
Para a modalidade SSU, caso haja a mobilidade esperada, não será necessário o acompanhamento de maior investimento em assistência estudantil nas mesmas proporções. Isso porque o Novo ENEM irá elitizar ainda mais as universidades públicas com a opção de 5 cursos, em que a maioria que passar no vestibular não serão estudantes de baixa renda. Olhando por outro lado, caso haja a grande mobilidade de estudantes carentes esperada, os recursos na ordem de R$ 200.000,00 que o MEC oferece como excedente não cobrem nem as carências atuais de assistência estudantil e, muito menos, com uma maior mobilidade de estudantes entre estados. Embora a intenção de mobilidade seja uma atitude louvável, de quem quer que seja, ela não será concretizada como o Novo ENEM está organizado hoje. A possibilidade de fazer a prova de uma universidade de um estado distante na própria cidade é um aspecto positivo, porém irrelevante diante de tantos problemas.
Sobre o formato da avaliação, não está claro quem será o Comitê de Governança, responsável pela elaboração e logística de aplicação das provas. Isso tem sérias implicações na adesão por parte de algumas universidades federais que tem um sistema consolidado de processo seletivo para a graduação, como é o caso do CESPE (Centro de Seleção e Promoção de Eventos) na UnB. O CESPE usa uma matriz de avaliação própria em que a marcação em desacordo com o gabarito oficial gera penalidade além da não pontuação. O que parece ser uma mera metodologia, para um centro especializado em provas (não só de vestibular mas também de concursos), esse é um ponto substancial. Outrossim, o MEC não aceitaria que o Novo ENEM se tornasse uma prova da UnB, nem a UnB aceitaria o Novo ENEM sem algumas concessões, como a prova de línguas – um dos principais pontos que fez a UnB não entrar no Novo ENEM em 2009.
A Adesão da UnB ao Novo ENEM vai se dar em 2011 e foi completamente antidemocrática. Tal qual o REUNI, mais uma vez a Universidade de Brasília adere a uma política do MEC sem ampla discussão com a comunidade universitária e com a sociedade como um todo, aprovando às pressas e sem clara formulação sobre as conseqüências reais dessa adoção. Prova disso é o Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos) ser substituído pelo Novo ENEM, o que quer dizer que a avaliação vai ter um foco muito grande e isso gera distorções que não permitem aferir o resultado para nenhum dos públicos que realiza a prova, somente permite um ranking por exclusão e bastante difuso.
Assim, o Movimento Instinto Coletivo posiciona-se contra o Novo ENEM, entendendo que esse debate deve ser colocado para o conjunto da universidade, principalmente dos cursos de licenciatura que tem uma relação maior com as escolas da educação básica. Tal medida é imprescindível para que a universidade pública não se torne uma mera cobaia de políticas que também estão imbuídas de promoção politiqueira e discursos eleitoreiros de inclusão, que empurram a culpa da educação de má qualidade para o lado do povo brasileiro e não da responsabilidade administrativa que o governo deve ter.

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